19 Outubro, 2018
Concretiza-se hoje o sexto dia desta greve nacional que se iniciou a 10 de outubro. A culminar esta jornada de luta, uma manifestação junto ao Ministério da Saúde.

 

Os objectivos são conhecidos: a valorização e dignificação de uma profissão, reconhecida como um dos pilares do serviço nacional de saúde, que tem vindo ao longo dos anos a assumir mais responsabilidades e diferenciação técnica.

Contudo, apesar de mais responsabilidade, mais formação e mais diferenciação técnica, comparativamente a outros licenciados da administração pública, os enfermeiros são os dos mais mal pagos.

 

Uma pequena síntese das últimas duas décadas da Enfermagem:

1998 – a formação de base dos enfermeiros passa a ser a Licenciatura e milhares de enfermeiros fazem um complemento de formação (entre 2000 e 2005). A carreira com várias categorias impede que os então licenciados (enfermeiros generalistas) possam ser reposicionados na categoria da carreira de enfermagem onde se iniciava a carreira técnica superior da administração pública (enfermeiro especialista). É o início da perda de paridade com outros licenciados da administração pública.

2002 – Com Durão Barroso e Luís Filipe Pereira os Hospitais passam a sociedades anónimas e inicia-se a discriminação entre enfermeiros em função do vínculo contratual – 40 horas de trabalho semanal, não aplicação em algumas instituições dos escassos aumentos salariais que iam acontecendo, menos dias de férias e de descansos, diferente forma de pagamento das horas penosas (fins de semana e feriados) e das horas extraordinárias.

2005 – em março, ao governo que acabara de tomar posse e cujo ministro da saúde era Correia de Campos, entregámos uma proposta de alteração de carreira com o objetivo da sua valorização. Apesar das várias greves para dar inicio ao processo negocial da carreira e, entre outros objetivos, impedir a alteração dos critérios consagrados para a aposentação dos enfermeiros e o congelamento das progressões, o governo justificou a sua intransigência em abrir o processo negocial com o chamado “estudo Fábrica” sobre a reforma das carreiras da administração pública.

Este trabalho que deveria estar concluído em meados de 2006 só terminou em finais de 2007.

2008 – é imposta a famosa lei 12-A/2008 de 27 de fevereiro que retira o vínculo de nomeação, impõe regras restritivas para a avaliação do desempenho, consagra a tabela única de remunerações, diminui o valor do trabalho de um licenciado dos €1.360 para os €980, impõe regras para a construção de carreiras, transforma anos de serviço em pontos, etc.

2009 – inicia-se a negociação da carreira de enfermagem de aplicação aos Contratos de Trabalho em Funções Públicas cujo resultado final é imposto pelo governo – uma carreira com duas categorias, Enfermeiro e Enfermeiro Principal, com quotas de acesso a esta última categoria cujos concursos nunca abriram. Impedem a existência de uma categoria para a área da gestão impondo que estes lugares sejam ocupados em comissão de serviço.

É, simultaneamente, publicada uma carreira (quase em tudo semelhante) de aplicação aos Contratos Individuais de Trabalho – hospitais EPE e PPP. Até hoje, não se aplica nas PPP porque os parceiros privados (grupos económicos) entendem que os CIT têm um contrato com o grupo económico e não com o SNS.

2010 – na negociação da grelha salarial, impõem um valor de início da carreira de €1.201 mantendo desta forma a discriminação relativamente a outros licenciados. A categoria de enfermeiro com 11 escalões (regras de construção das carreiras) significa a impossibilidade de qualquer enfermeiro, durante o seu percurso profissional, poder vir a atingir a última posição remuneratória. O governo impõe um faseamento de 3 anos para os enfermeiros que ganham abaixo dos €1.201 o atingirem. Impõe ainda, que a transição dos que ganham acima de €1.201 (milhares ganhavam €1.257) se fizesse com o mesmo salário.

O resultado desta imposição foi colocar enfermeiros com até 30 anos de exercício profissional a ganhar praticamente o mesmo que enfermeiros que iam ingressando na carreira.

2011 – a imposição de uma avaliação do desempenho com quotas, subjetiva e pouco operacional cujo objetivo é impedir a progressão nas carreiras (ainda que a esta data continuassem congeladas). O SEP continua a liderar o processo reivindicativo, com greves, para valorizar a carreira e harmonizar as condições de trabalho dos enfermeiros, independentemente do vínculo. Em outubro de 2011 conseguimos que as regras de pagamento do trabalho noturno, fins de semana, feriados e extraordinário fossem, finalmente, harmonizadas. Continuava a exigência das 35 horas para todos.

2012 – A alteração do Código de Trabalho, cujas algumas regras já tinham sido transpostas para a famosa lei 12-A/2008, tem novas implicações  ao nível do modelo de gestão dos recursos humanos, flexibilização das relações laborais, mudanças no despedimento, na organização do tempo de trabalho e no regime de feriados e férias, lançam o mote para as ações de luta desenvolvidas ao longo de todo o ano. A não autorização para contratar enfermeiros e a orientação de Paulo Macedo para as instituições recorrerem às empresas de outsourcing determina o aparecimento de uma nova realidade – enfermeiros a serem contratados a €3,5/hora

2013 – entrega de caderno reivindicativo em junho novamente exigindo a valorização salarial da carreira que o governo de Passos Coelho recusa, com a justificação da Troika.

2015 – entrega de novo caderno reivindicativo.

As exigências constantes no CADERNO REIVINDICATIVO DE 2013 e de 2015

  • cálculo das necessidades com base nas “dotações seguras” (agrava-se a carência de enfermeiros em todos os serviços);
  • luta contra a precariedade e pela valorização económica do trabalho, com o fim da discriminação salarial dos enfermeiros;
  • imposição do modelo de desenvolvimento profissional que inclua postos adequados para Enfermeiros Principais, funcionamento pleno das direções de Enfermagem e progressão de posição remuneratória;
  • regime de horário das 35 horas semanais, reposição das “horas de qualidade” e condições de acesso à aposentação, tendo em conta os níveis de risco e penosidade – universalmente reconhecidos – da profissão;
  • Regime de exclusividade para os enfermeiros.

As greves, vigílias, manifestações e plenários multiplicam-se por todo o país. O resultado deste processo de lutas foi, finalmente, a consagração dos €1.201 para os enfermeiros com CIT.

Ainda em 2015 e após a saída de Portugal do programa de ajustamento, é entregue um novo Caderno Reivindicativo que atualiza e desenvolve o diagnóstico e as soluções face ao conjunto de problemas que persistem:

  • carência de Enfermeiros e vínculos precários da Carreira de Enfermagem;
  • desenvolvimento profissional e salarial;
  • concurso para Enfermeiros Principais;
  • operacionalização da Avaliação do Desempenho;
  • direção de Enfermagem e designação de Enfermeiros em funções de Chefia e as várias questões salariais;
  • regimes e restantes condições de trabalho.

2016 – com o novo governo do PS sustentado pelo PCP, BE e PEV no parlamento, é entregue novo caderno reivindicativo e intensifica-se a exigência da aplicação das 35 horas aos enfermeiros a CIT. Apesar do compromisso assinado pelo Ministério da Saúde que tal aconteceria na mesma data da reposição para os CTFP, 1 de julho, o governo recua.

Este recuo determina a convocação de mais greves.

2017 – decorrem as negociações do instrumento de regulamentação coletiva que consagre:

  • as 35 horas para os CIT,
  • o descongelamento de vagas,
  • a contratação de enfermeiros e regularização dos vínculos precários,
  • a valorização salarial para Enfermeiros Especialistas (SEP propunha €600 e o governo impôs €150),
  • reversão dos cortes no trabalho extraordinário,
  • o pagamento integral das horas de qualidade em dívida (cerca de 700 mil),
  • Avaliação do Desempenho.

2018 – O Acordo Coletivo de Trabalho – ACT – foi assinado no início de 2018. Em julho, entraram em vigor as 35 horas para os CIT não sem antes terem sido desencadeadas greves para exigir a contratação de enfermeiros.

Foi ainda assumido, pelo Governo, dar início em janeiro do processo negocial com vista à alteração da carreira de enfermagem. Ficou expresso, em sede de protocolo negocial, que a alteração da carreira de enfermagem tinha como objectivo DIGNIFICAR E VALORIZAR A CARREIRA e que a negociação decorria no primeiro semestre do ano e que entraria em vigor em janeiro de 2019.

 

Passados 10 meses e várias greves nacionais e institucional (estas também pela correta contabilização dos pontos para efeitos de progressão) o governo ainda não apresentou uma proposta de carreira que materialize os compromissos que assumiu.

Princípios Enformadores aprovados na Assembleia-geral de Sócios do SEP, de 4 de abril de 2018:

  • Desenvolvimento Profissional: A Carreira estrutura-se em duas Categorias e um Grau: Categoria de Enfermeiro, que integra o Grau de Enfermeiro Especialista, e Categoria de Enfermeiro Gestor.
  • Desenvolvimento Salarial: Na consideração do grau de complexidade 3 e da exclusividade de funções, em termos salariais, a Carreira de Enfermagem enquadra-se ao nível dos técnicos superiores.
  • Transição de Carreira: Sendo hoje uma realidade a compactação de um grande número de enfermeiros, independentemente do número de anos de serviço, num reduzido leque salarial, defender e propor medidas para que as regras de transição para uma nova grelha salarial não aumentem as injustiças relativas e resolvam as existentes.
  • Relativos às condições particulares de exercício: acesso à Aposentação e com direito a pensão completa: 35 anos de serviço e 57 anos de idade; Valorização do Trabalho por Turnos; Direito à dispensa de trabalho noturno para todos os enfermeiros a partir dos 50 anos de idade, salvo aceitação contrária expressa pelo trabalhador; Relativamente a horários de trabalho, propor a melhoria do que hoje existe consagrado em diplomas legais específicos para os enfermeiros com Contrato de Trabalho EM Funções Públicas e defender a harmonização e consequente aplicação destes direitos aos enfermeiros detentores de Contrato de Trabalho PARA Funções Públicas (vulgo CIT).
  • Articulação entre contextos de prática clínica e contextos de formação: Medidas que possibilitem e promovam a circularidade dos enfermeiros entre os diferentes contextos referidos, incluindo a valorização decorrente do desenvolvimento de investigação em Enfermagem e da aquisição de graus académicos no âmbito das ciências da Enfermagem.

 

São 20 anos de luta para que seja reposta a paridade entre os enfermeiros e outros licenciados da administração pública;

Foram 16 anos de luta para que as 35 horas fossem aplicadas a todos os enfermeiros.

Foram 13 anos de luta contra o congelamento das progressões.

Uma vida inteira de luta para que os serviços sejam dotados com o número de enfermeiros necessários para prestar excelentes cuidados de enfermagem e minimizar as condições particularmente penosas inerentes à profissão.