3 Abril, 2020
Covid-19: exigimos regime específico para assistência a filhos
Em carta enviada ao Primeiro-Ministro e à Ministra da Saúde analisamos as consequências da pandemia a curto e médio prazos. Identificamos como prioritário um regime específico que permita a assistência a filhos.

No âmbito da assistência à família e a dependentes a cargo de enfermeiros/profissionais de saúde nos períodos de interrupções lectivas fixados nos anexos II e IV ao Despacho n.º 5754-A/2019 (férias escolares), o seguinte:

 

Contexto epidémico até 2021 num país com população envelhecida

A utilidade social e consequente relevância dos profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, são pública e politicamente reconhecidas, no dispositivo de resposta à atual situação de emergência de saúde pública. Quer ao nível da sua organização e funcionamento, quer ao nível da prestação de cuidados de saúde.

Com base na melhor informação disponível à data, é altamente expectável que a atual situação epidemiológica no país perdure vários meses (pelo menos “até à primavera de 2021”!) – até à referida imunização através de vacina e auto-imunização de cerca de 60% da população.

Neste quadro, de situação epidemiológica e agenda temporal, para além de outros fatores imprevisíveis que naturalmente vão emergir, acrescerão os “problemas de saúde sazonal” (“verão/temperaturas extremas adversas e inverno/frio”) com amplo impacto, nomeadamente, na população idosa – com elevados níveis de dependência, doença crónica e outras comorbilidades.

De acordo com os públicos dados oficiais (INE e OCDE), relembramos que Portugal tem cerca de 2 250 000 (21%) de cidadãos com mais de 65 anos de idade, e, destes, cerca de 1 088 000 com mais de 75 e 310 270 mais de 85 anos.

Por outro lado, nesta população com mais de 65 anos, cerca de 53% são portadores de doença crónica, sendo que, 36% referem ter uma e 17% referem ter, pelo menos, duas doenças crónicas.

Em síntese, durante os próximos (longos) meses, entre outros aspetos, é expectável um aumento exponencial das necessidades em cuidados de saúde, nomeadamente de cuidados de enfermagem, e, consequentemente, ao SNS será exigido uma elevadíssima capacidade de resposta.

Não temos dúvidas da imprescindibilidade de continuar a reforçar o SNS de meios e organização e de profissionais de saúde –  designadamente de enfermeiros -, cujas condições de trabalho para elevados níveis de operacionalização estáveis importa reforçar.

 

As atuais medidas são insuficientes

Para este objetivo, e para além da relevância de outros aspetos relativos às suas condições de trabalho (ajustada dotação de enfermeiros mediante contratação, estabilidade contratual, organização de equipas e gestão do tempo de trabalho diário que garantam segurança, os necessários tempos de repouso e de descanso e consideração pelo acréscimo de risco e penosidade inerente à profissão, EPI, etc), importa reter que a propósito da assistência à família e a dependentes a cargo de enfermeiros:

  • Os enfermeiros representam cerca de 33% do total dos profissionais de saúde, sendo que 83,5% são do género feminino e 16,5% do género masculino;
  • 49% têm até 40 anos de idade (exercício de direitos de parentalidade) e 65% têm até 46 anos (assistência a filhos menores de 12 anos).

Ou seja, trata-se de um grupo profissional particularmente jovem e com alta taxa de feminização, onde, naturalmente, o exercício dos direitos de parentalidade e de assistência a filhos menores de 12 anos têm enorme impacto e relevância.

Os filhos dos enfermeiros e estes não podem ser discriminados negativamente face aos demais.

Muito menos no atual quadro e circunstâncias, constituindo mesmo um fator crítico e gerador de grande instabilidade nas equipas.

A agravar a falta de rede e apoio, há administrações que estão a pressionar os enfermeiros para deixarem os filhos nas escolas, independentemente das suas situações familiares (dois progenitores pertencerem aos grupos profissionais designados como essenciais ou famílias monoparentais). As atuais medidas, além de insuficientes, não serenam os pais enfermeiros. É imperioso cuidar de quem cuida.

 

Regime específico para enfermeiros/profissionais de saúde

Pelo que, sobre esta matéria, é exigível a criação de um regime específico para os enfermeiros/profissionais de saúde, previsto no n.º 2 do art.º 1º do decreto-lei n.º 10-K/2020 de 26 de março, para o qual somos a propor:

  • Que a aplicação do “apoio excecional à família para trabalhadores por conta de outrem” consagrado no art.º 23º do decreto-lei n.º 10-A/2020 de 13 de março seja alargado aos períodos de férias escolares.
  • Que o “apoio excecional mensal” fixado na supracitada disposição legal corresponda à totalidade da remuneração auferida.
  • Clarificação dos aspetos processuais e procedimentais inerentes “à transferibilidade do apoio excecional mensal” para “outra forma de acolhimento”, inserta na parte final da subalínea ii) do n.º 1 do Despacho n.º 3301/2020 de 15 de março do Gabinete da Ministra da Saúde (“como se processa o pagamento do apoio excecional mensal”),
  • Reafirmação do gozo inalienável do direito à amamentação. Em várias instituições, inadmissivelmente, há pressões para que os enfermeiros deixem de exercer os direitos de parentalidade, nomeadamente a amamentação.
  • Quando o agregado familiar for constituído apenas por profissionais de saúde ou por profissional de saúde e trabalhador de outro setor de atividade abrangido pelo art.º 10º do decreto-lei n.º 10-A/2020 de 13 de março, no sentido de garantir a efetiva possibilidade de assistência alternada por cada um dos trabalhadores e na impossibilidade de acordo com as respetivas entidades empregadoras, consagrar o direito de opção, fundamentada, do trabalhador relativamente ao exercício do direito.

Carta enviada hoje 3 abril 2020.

Nota de imprensa enviada aos media a 6 de abril 2020.