1 Junho, 2017
ICN 2017: Recomendações para as dotações seguras de enfermeiros
O ICN (International Congress of Nurses) aprova a tomada de posição sobre as dotações seguras. Este assunto é tema de debate recorrente face à carência de enfermeiros a nível mundial.

A enfermagem é um serviço básico em todos os sistemas de saúde. Uma dotação segura é ter o número necessário de enfermeiros com as competências e a formação adequada no posto de trabalho correto, em cada momento.

A dotação de enfermeiros é um tema fundamental para a segurança dos doentes e para a qualidade dos cuidados prestados nos hospitais e na comunidade.

Níveis inadequados de enfermeiros aumentam o risco dos cuidados de saúde serem afetados, do aumento de efeitos adversos, resultados clínicos inferiores, mortes hospitalares e a vivencia por parte do doente de uma pobre e pouco eficiente prestação de cuidados.

Pessoal de enfermagem insuficiente para satisfazer as necessidades dos doentes dá lugar a uma carga de trabalho insustentável, com impacto no bem-estar e na saúde dos próprios profissionais.

As investigações sugerem que reverter um nível sólido de enfermeiros, eficaz e equilibrado pode ser rentável, favorecer melhorias e impedir a deterioração da saúde dos pacientes, reduzindo assim a duração e a intensidade das intervenções de saúde.

 

Estabelecer a dotação segura

Há uma série de elementos necessários para chegar a uma dotação segura de pessoal de enfermagem:

–  estabelecer a dotação para cada serviço,
– uma boa gestão de recursos humanos para selecionar e reter os enfermeiros,
– planificação do pessoal para garantir que dão resposta às necessidades,
– programar as necessidades  tendo em conta as flutuações da carga de trabalho,
– criar indicadores que demonstrem o impacto das dotações de acordo com as necessidades dos doentes
– e políticas que possam guiar e apoiar as melhores praticas.

Isto requer um número adequado de enfermeiros com as competências necessárias para satisfazer as alterações clínicas dos doentes. Deve ser implementado um sistema de planificação da força de trabalho que acompanhe as necessidades dos doentes.

Há uma crescente evidência que mostra a relação direta entre o número de enfermeiros e os resultados relacionados com os doentes. Entre eles inclui-se a diminuição do número de efeitos adversos tais como as úlceras de pressão, infeções do trato urinário, desnutrição e deterioração da capacidade para realizar as actividades de vida diária. Ainda, a redução de reinternamentos, menor risco de infeções nosocomiais e de longas permanências no hospital, assim como uma maior satisfação dos doentes.

Um número insuficiente de enfermeiros resulta também na “falha do resgate”, na deterioração da situação clínica do doente provocando piores resultados e aumento da morbilidade e na mortalidade.

 

Qualificação dos profissionais

É ainda demonstrado que que existe um benefício direto com um nível mais alto de qualificação dos enfermeiros. O aumento de um enfermeiro qualificado por 10 camas está associado à redução de 11-28% de mortes trinta dias depois de um acidente cardiovascular e de 8 a 12% um ano depois do acidente.

No que se refere ao bem-estar dos enfermeiros, níveis inadequados de pessoal podem levar a uma menor satisfação no trabalho, a maiores níveis de stress, ao burnout, a uma tendência de abandonar a profissão e ao aumento das substituições (turnover). Tem igualmente implicações nos recursos financeiros, já que está demonstrado que o custo da substituição dos enfermeiros (turnover) representa metade do salário médio dos enfermeiros.

A atual escassez de pessoal de enfermagem e os cortes financeiros no setor da saúde têm levado algumas organizações a explorar funções alternativas para o pessoal e a combinação de competências.

Nalguns países substituiem-se os assistentes de saúde por enfermeiros e desenvolvem-se novas funções para os enfermeiros não qualificados como solução para fazer frente à escassez de enfermeiros qualificados, reduzindo a massa salarial. Com base nos dados atuais, estas opções merecem especial precaução já que a investigação sugere que pode piorar os resultados com os doentes e não ser rentável a longo prazo.

A existência de enfermeiros qualificados permite também obter melhores resultados com os doentes e menores taxas de mortalidade.

A competência e o pensamento crítico dos enfermeiros qualificados relacionam-se com a melhoria dos resultados com os doentes e com a redução da mortalidade: um maior número de enfermeiros menos qualificados/formados (enfermeiros cuidadores com licença e trabalhadores de saúde de apoio) estão vinculados ao aumento da incidência de efeitos adversos tais como erros de medicação e quedas.

 

Requisitos para as dotações

Determinar os requisitos ótimos para determinar as dotações seguras é complexo.

Atualmente existem uma série de ferramentas e modelos para a planificação da força de trabalho que procuram encaixar as necessidades e as dependências dos doentes com o número de enfermeiros e as competências necessárias. Ferramentas sólidas requerem dados dos doentes e dos enfermeiros e devem utilizar-se conjuntamente com o critério profissional.

A liderança e o comprometimento da enfermagem no projeto e na operacionalização dos modelos e ferramentas são cruciais. Os enfermeiros chefes desempenham um papel fundamental para liderar estes processos e assegurar a sua visibilidade.

Algumas instituições de saúde implementaram níveis obrigatórios de dotações seguras que permitiram melhores resultados com os doentes (mortalidade mais baixa), assim como com os enfermeiros (retenção e satisfação, diminuição da carga de trabalho).

Independentemente das ferramentas que os sistemas usam para avaliar e planificar as necessidades de enfermeiros, o contraste com áreas clínicas comparáveis e com as melhores práticas pode proporcionar um ponto de referência. Deveria existir um conjunto de dados, com indicadores significativos e coerentes, como fator de aumento das dotações de enfermeiros que tenha em conta as suas férias e ausências.

Também deveriam existir processos normalizados de revisão e avaliação e relatórios fornecidos pelos enfermeiros chefes com o objetivo de assegurar que o financiamento é o suficiente tendo em conta a segurança do doente. Em todo o momento, os enfermeiros chefes, utilizando o seu critério profissional, deveriam ser capazes de controlar e ajustar o número de enfermeiros no garante da segurança dos doentes.

Se os recursos forem inadequados deveriam poder fazer ajustes no sistema que controlam o fluxo e a admissão de doentes com o objetivo de assegurar que se cumpram as dotações seguras.

Seja em serviços de agudos, cuidados de saúde primários, cuidados na comunidade ou cuidados continuados, são necessárias ferramentas que permitam a prestação de cuidados em e com segurança.

 

Posição e recomendações do ICN

Assumindo o seu papel de ser a voz mundial da enfermagem e reconhecendo que as dotações seguras de pessoal de enfermagem são cruciais para manter a qualidade e segurança dos cuidados aos doentes, o ICN manifesta os seguintes princípios:

  • Devem estabelecer-se sistemas de planificação sólidos com o fim de adequar a prestação de cuidados de enfermagem ao número e à gravidade clínica dos doentes;
  • Os sistemas devem ter dados fiáveis, indicadores aceites e comparar as melhores práticas;
  • Enfermeiros qualificados não devem ser substituídos por pessoal com menor qualificação;
  • Os limiares de segurança devem ser identificados nos diferentes contextos (sem definir um mínimo);
  • Devem fazer-se controlos periódicos da dotação de enfermeiros com dados atualizados, relacionando o número e as qualificações dos enfermeiros e os resultados dos doentes;
  • Deve-se respeitar a primazia do critério profissional da qualificação dos enfermeiros ao determinar as dotações seguras;
  • Os enfermeiros devem participar em todas as etapas de conceção e operacionalização dos sistemas de dotação;
  • A existência de enfermeiros diretores é essencial para garantir a prestação de cuidados de saúde seguros, eficazes, de alta qualidade e eficientes;
  • As organizações que representam enfermeiros devem ser decisivas no desenvolvimento, na implementação e na avaliação das políticas e sistemas de dotações seguras;
  • Deve haver transparência nas informações sobre os níveis de dotações seguras a nível interno e externo, aos financiadores e ao público;
  • Devem estabelecer-se procedimentos adequados para que os enfermeiros possam colocar, sem medo, as suas preocupações e que estas sejam investigadas sem que o enfermeiro ou enfermeiros que as colocam sejam prejudicados;
  • As organizações devem apoiar e encorajar culturas abertas e colaborativas e os lideres modelar os comportamentos e valores que procuram nos enfermeiros;
  • Os financiadores/governos devem garantir os recursos para que se atinja as dotações seguras;
  • As organizações devem dispor de sistemas para alterar os fluxos e admissões de doentes de maneira a fazer coincidir com o número de enfermeiros disponível. Os líderes de enfermagem devem ter autoridade suficiente para interromper as admissões quando não existam dotações seguras e para autorizar a curto prazo a admissão de mais enfermeiros, desde que a segurança dos doentes estiver em causa.