18 Julho, 2022
O poder de compra dos trabalhadores diminui entre 2011 e 2022
Eugénio Rosa analisou e concluiu que as “valorizações remuneratórias” propostas pelo governo são ridículas.

 

A Direção Geral de Emprego e Administração Pública (DGAEP) publicou estatísticas sobre o emprego publico e remunerações referentes a 2022. Vários órgãos de informação publicaram comparações entre remunerações nominais brutas de anos diferentes, esquecendo que com um euro em 2022 adquire-se menos bens que com um euro, por ex., em 2011.

Entre 2011 e 2022, os descontos nas remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e do setor privado sofreram aumentos significativas (por ex. na Ad. Pública a contribuição para ADSE aumentou 133%, de 1,5% para 3,5%, e Vítor Gaspar fez um enorme aumento do IRS que ainda não foi totalmente revertido).

Se juntarmos a isto o efeito corrosivo da inflação, conclui-se rapidamente que é errado e enganador utilizar as remunerações brutas (ilíquidas) para a avaliar a situação dos trabalhadores em anos diferentes.

É esse erro que engana que vamos corrigir neste estudo começando pela Administração Pública.

 

Quadro 1 – Variação do nº de trabalhadores, da remuneração base média nominal e real entre 2011 e 2022

SEP | tabela 1 - estudo eugenio rosa

 

 

Entre 2011 e 2022, o número de trabalhadores da Administração Pública (Central, Local e Regional) aumentou apenas em 0,85% (+ 6.195 trabalhadores), embora variando de categoria para categoria como mostra o quadro 1 (DGAEP).

Se a análise for feita com base nas remunerações líquidas, ou seja, depois de deduzir todos os descontos (CGA/SS, ADSE, IRS) a subida da remuneração media líquida dos trabalhadores da Administração Pública é apenas de 3,7% entre 2011 e 2022. E há categorias em que se verifica mesmo uma diminuição (exs. técnico superior -5,3%; técnico superior de saúde -12,6%).

E se deduzirmos o efeito corrosivo da inflação entre o início janeiro de 2011 e junho de 2022, a perda de poder de compra da remuneração base media líquida dos trabalhadores da Administração Pública (inclui todas as categorias profissionais), é de -8,9%.

Mas há categorias profissionais onde a perda de poder de compra é maior. Por ex., a dos enfermeiros foi de -10,9%; a dos técnicos superiores -16,9%; a dos assistentes técnicos -15%; a dos informáticos -12,2%; pessoal de investigação científica foi de -28,2%; a dos professores entre -6,7%, etc.

É outra forma de destruir a Administração Pública! A falta de atratividade para os mais qualificados expulsa os mais competentes.

 

A proposta ridícula constante do anteprojeto de decreto-lei sobre “valorizações remuneratórias” na administração pública apresentado pelo governo aos sindicatos

O governo apresentou aos sindicatos uma proposta a que pomposamente chamou “Valorizações remuneratórias” com apenas três pequenas alterações na Tabela Remuneratória Única da Administração Pública. São elas:

(1) Os técnicos superiores com grau de doutor são posicionados no nível 23 da Tabela, ou seja, passam a receber €1632,8€ ilíquidos, ou seja, antes de quaisquer descontos (o líquido é €1107,04);

(2) Os técnicos superiores da 1ª posição (a de entrada na Administração Pública) cuja remuneração ilíquida era apenas de €1007,49 passam para €1059,59 (€814,32 líquido), e os da 2ª posição que recebem €1215,93 ilíquidos sobem para apenas €1268,04;

(3) Os assistentes técnicos, com ensino secundário, cuja remuneração de entrada era de €709,60, praticamente igual aos dos assistentes operacionais (ensino básico), têm sido aumentados devido à subida do salário mínimo nacional, a remuneração ilíquida de entrada dos assistentes técnicos passa de €709,46 (a atual da tabela) para €757,1 (€608,71 líquido).

Eis ao que se resume a proposta ridícula sobre “valorizações remuneratórias” e que deixa de fora mais de 95% dos trabalhadores da Administração Pública.

É evidente que, com esta política de remunerações, o resultado é a destruição da capacidade da administração pública para atrair trabalhadores qualificados e com as competências necessárias para prestar os serviços públicos essenciais (saúde, educação, segurança social, transportes, habitação, etc.).

E isto porque não é possível atrair licenciados com um mínimo de competências pagando uma remuneração líquida de €814,32 e doutorados de €1107 ao que acresce que para mudar de nível remuneratório ser necessário, em média, 10 anos devido ao SIADAP.

É a promoção do negócio privado, como sucede já na saúde, com consequências dramáticas para os portugueses com aumento enorme das desigualdades.

A proposta de alteração nos concursos não muda nada de essencial e só agravará os obstáculos para contratar.

Outro aspeto bloqueador é o sistema burocrático, complexo e pesado dos procedimentos concursais em que intervêm sempre duas tutelas (têm de dar autorização prévia) sendo uma delas o Ministério das Finanças que bloqueia durante meses tudo com o objetivo reduzir a despesa e o défice. E isto apesar da contratação estar prevista no mapa de pessoal e a respetiva verba para pagar as remunerações constar do orçamento anual aprovado pelo governo.

Em média, qualquer concurso leva dois anos para se fazer, e vários nem chegam ao fim.

O governo tinha prometido alterar a legislação para simplificar tornando o procedimento concursal. Apesar das expectativas criadas apresentou aos sindicatos um projeto de Portaria que “regulamenta a tramitação do procedimento concursal” que não altera em nada de significativo a Portaria n.º 125-A/2019 incluindo a prévia autorização pelo Ministério das Finanças ainda que os mapas de pessoal sejam aprovados, a cada ano, com os Orçamentos do Estado.

 

A degradação e a crise profunda da administração pública como está a acontecer no SNS é também uma consequência da quebra enorme do investimento público com os governos PSD/CDS e PS/Costa.

Para reduzir o défice e “brilhar” em Bruxelas os sucessivos governos têm cortado no investimento.

 

Quadro 2 – Investimento (FBCF) e Consumo de Capital Público durante os governos de Passos Coelho/Portas e António Costa

 

Segundo o INE, entre 2011 e 2021, o Investimento Público (FBCF) foi inferior ao Consumo de Capital Fixo Público, ou seja, àquilo que desapareceu devido ao uso e à obsolescência, em 13960 milhões €.

Deste total, 9511 milhões € foram com os governos de Costa/Centeno/Leão.

Neste período (2011/2021), com os governos de Passos/Portas e de António Costa, o investimento publico nem foi suficiente para substituir o que desapareceu, degradou-se ou mesmo se arruinou.

Eis as causas da degradação do SNS com hospitais que não se fizeram, ou não se recuperaram, com faltas de instalações mínimas, com camas nos corredores, com equipamentos profundamente degradados ou ultrapassados, com falta de novos equipamentos, etc., etc. A falta de condições mínimas de trabalho associadas a remunerações indignas estão levaram muitos profissionais a abandonar o SNS e a irem trabalhar para os privados.

Mas foi desta forma que Costa/Centeno/Leão reduziram o défice e Medina quer fazer o mesmo!