4 Fevereiro, 2020
A 5 de dezembro o INFARMED acolheu, em Lisboa, a Cimeira da Rede Europeia de Biossegurança. Este evento, onde marcaram presença profissionais da saúde, sindicatos, organizações profissionais e políticos, teve como principal ponto de discussão a prevenção da exposição dos profissionais de saúde a medicamentos perigosos.

 

A cimeira foi dividida em três sessões ao longo do dia, começando com as observações iniciais de Rui Santos Ivo, Presidente do INFARMED, e concluída com um discurso de José Couto, Secretário de Estado da Administração Pública e também Moisés Ferreira, Deputado do Partido Bloco de Esquerda.

O painel introdutório foi composto por José Carlos Martins (SEP), João José Morais Joaquim (ESTeSC), Sara Torcato Parreira (AEOP) e Vera Pires (APFH). Cada orador teve a oportunidade de sublinhar a necessidade de reconhecer as ameaças impostas aos trabalhadores da saúde pela exposição a drogas perigosas, destacando o importante sinal de alerta dado por esta cimeira.

 

1ª Sessão

A 1ª sessão centrou-se na ‘Prevenção da exposição a medicamentos perigosos, incluindo citotóxicos, no setor de saúde na Europa: estrutura atual e ações futuras e o exemplo da Espanha’.

A sessão teve as seguintes apresentações:

  • Mike Houghton, Rede Europeia de Biossegurança
  • Luca Scarpiello, diretora de políticas da União Europeia de Serviços Públicos (EPSU)
  • Ian Lindsley, Rede Europeia de Biossegurança
  • Ana Maria Martin, Sociedade Espanhola de Farmacêuticos Hospitalares (SEFH)
  • Jose Luis Cobos, Conselho Geral de Enfermagem da Espanha

Mike Houghton abriu a sessão com uma apresentação sobre a estrutura atual da Comissão Europeia para a prevenção da exposição a drogas perigosas. Ao longo da sua intervenção, M. Houghton partilhou ainda um conjunto de melhorias que devem ser implementadas na legislação europeia vigente, bem como na dos próximos anos. Mais especificamente, foram descridas medidas atuais de gestão de risco através do ‘Guia de prevenção e boas práticas’: documento publicado em 2010 com o intuito de melhorar os padrões de saúde e segurança nas instituições de saúde da União Europeia. M. Houghton referiu que estas medidas e a Campanha UE-OSHA sobre Substâncias Perigosas, em 2018 e 2019, revelaram ser passos positivos para a proteção dos profissionais de saúde. Contudo, concluiu que é necessário intensificar estes esforços de forma eficiente, sabendo quais as substâncias de maior preocupação, desenvolvendo e atualizando as orientações e expandindo a legislação relevante.

Luca Scarpellio apresentou o seu trabalho com ênfase na redução da exposição dos profissionais de saúde a drogas perigosas. No seu discurso, L. Scarpellio mencionou como esta realidade se relaciona, de forma mais abrangente, com o papel da EPSU na defesa de uma maior proteção dos trabalhadores. Foi também assinalada a necessidade de maior de proteção ao longo da cadeia de de valor de medicamentos, desde a sua produção, entrega, armazenamento, até à administração e descarte.

José Luis Cobos, do Conselho Geral de Enfermagem de Espanha, começou por comparar os rankings de eficiência de saúde a nível mundial, e explicou quais as lições a tirar com base na sua experiência em Espanha. Depois de descrever a estrutura do Conselho Geral de Enfermagem de Espanha, J.L. Cobos explicou algumas questões-chave que abalavam o sistema de saúde espanhol. A principal consistia no incumprimento de certas práticas e regras de proteção dos profissionais de saúde, por parte de muitos hospitais e especialmente os centros de saúde. De seguida, J.L. Cobos sublinhou as mudanças ocorridas nos últimos anos em Espanha, vendo-as como exemplo de um roadmap a seguir por outros governos europeus.

Ana Maria Martin baseou-se na apresentação de José Luis Cobos, realçando o exemplo espanhol em termos de práticas seguras para o manuseio de drogas perigosas. Algumas das ações adotadas pelo sistema de saúde espanhol incluem um arquivo online que foi criado para partilhar práticas seguras dentro de uma rede comunitária e classificar adequadamente os medicamentos para que os profissionais de saúde possam reduzir a exposição aos mesmos.

Ian Lindsley, Secretário da Rede Europeia de Biossegurança (EBN), fez uma apresentação sobre o processo de formulação do EBN, oferecendo uma visão geral sobre os perigos das drogas perigosas e a legislação atual que afeta a área em questão. I. Lindsley também descreveu as atividades e o envolvimento histórico e planeado do EBN para o futuro, dando ênfase aos problemas que envolvem as drogas perigosas. Disse-nos também que tanto a nova legislação como as orientações em 2020 são necessárias para promover mudanças comportamentais na proteção dos profissionais de saúde.

 

2ª Sessão

A 2ª sessão, intitulada “Situação atual sobre prevenção da exposição ocupacional em Portugal“, começou às 11h45 e incluiu um painel de discussão com as seguintes palestras:

  • Susana Viegas, Escola Nacional de Saúde Pública da NOVA, Centro de Pesquisa em Saúde Pública
  • Humberto Miguel, Instituto Português de Oncologia (IPO), Lisboa
  • Cristina Lacerda, Associação Portuguesa de Enfermagem Oncológica

Susana Viegas abriu a sessão com uma apresentação de um estudo sobre a exposição de profissionais de saúde a drogas citotóxicas em Portugal. A apresentação revelou que a dependência crescente de drogas citotóxicas para tratar o cancro estava a aumentar os níveis de exposição dos profissionais de saúde a estas substâncias perigosas. Para demonstrar isso, S. Viegas apresentou um exemplo de estudo que monitorava os níveis de vestígios de medicamentos perigosos no ambiente de saúde. O estudo revelou inúmeras descobertas, entre as quais a enorme facilidade com que estes medicamentos podem ser espalhados: desde vestígios na parte externa das luvas, apoios de braços em cadeiras e até em casas de banho. Adicionalmente, S. Viegas destacou a necessidade de maior vigilância e melhor compreensão dos perigos que os medicamentos citotóxicos podem representar.

Humberto Miguel, do Instituto Português de Oncologia, apresentou o estado atual da prevenção da exposição ocupacional em Portugal. Foi dada uma visão geral das diferentes ameaças que esta realidade representava, com foco na cadeia de valor de uma farmácia hospitalar: da entrega dos medicamentos, ao respetivo armazenamento, preparação, administração e, finalmente, descarte. H. Miguel destacou ainda que não seria realista supor que a exposição a medicamentos potencialmente perigosos pudesse ser completamente evitada. No entanto, foi referido que, sempre que possível, é vital tomar as medidas necessárias para manter os profissionais de saúde em segurança. A maneira mais eficiente de fazer isso, explicou Humberto, é através da avaliação contínua dos equipamentos técnicos e melhoria das áreas de maior propensão a contaminação perigosa. No que ao IPO diz respeito, H. Miguel refere que a organização dispõe da melhor tecnologia disponível para este efeito, incluindo os Closed System Drug-Transfer Devices (CSTDs).

Cristina Lacerda concluiu a segunda sessão com uma visão geral da ameaça de exposição dos profissionais de saúde no campo da oncologia em Portugal. A apresentação destacou a necessidade de melhorar a consciencialização e reforçar as proteções para os enfermeiros que trabalham em unidades de cancro. C. Lacerda também sublinhou uma questão-chave que, na sua opinião, é muitas vezes esquecida: o facto de a maioria dos enfermeiros em Portugal serem mulheres em idade fértil, sendo fundamental garantir a proteção contra as drogas citotóxicas.

 

3ª Sessão

A terceira sessão, intitulada ‘Sensibilização para o perigo de exposição a drogas perigosas e a necessidade de sistemas fechados para proteger os trabalhadores na preparação, administração e descarte de drogas perigosas em Portugal’, incluiu apresentações dos seguintes palestrantes:

  • Guadalupe Simões, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP)
  • Miguel Figueira, Técnicos Portugueses de Farmácia (APLF)
  • Maria Teresa Aires Pereira, Farmacêutica e Coordenadora Chefe de Farmácias do grupo José de Mello Saúde

Guadalupe Simões abriu a terceira sessão questionando a audiência sobre como melhorar a consciencialização sobre as ameaças decorrentes da exposição a drogas nocivas. “Existe um entendimento na comunidade científica a respeito da exposição dos profissionais de saúde a certos medicamentos”, explicou Guadalupe, mas essas informações não estão a ser disponibilizadas prontamente. Na realidade, as principais partes interessadas, como o Ministério da Saúde, associações científicas e sociedades, poderiam fazer mais para ajudar a lidar com o fraco entendimento sobre esta matéria. Para além disso, as falhas no sistema de saúde português, como falta de tempo alocado para formação e ausência de monitorização individual do tempo exposto a certos medicamentos, estão a colocar os trabalhadores em risco. “Deve ser definida uma legislação mais robusta para combater esta situação”, concluiu Guadalupe.

Maria Teresa Aires Pereira, Coordenadora Chefe de Farmácias do grupo José de Mello Saúde, fez uma apresentação baseada nos argumentos dos oradores anteriores, enfatizando que o sistema de saúde português está a dar diversos passos para garantir a proteção dos seus trabalhadores. Todavia, reconheceu que há muito ainda por fazer. M. Pereira considerou que o maior obstáculo será possivelmente o financiamento – elemento que uma Recomendação do INFARMED poderia ajudar a solucionar. Expondo a importância e gravidade desta questão junto do governo, seria mais fácil obter investimento com foco na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.

De seguida, Miguel Figueira, da APLF, discutiu a necessidade de implementar CSTDs para proteger os trabalhadores na preparação, administração e descarte de medicamentos perigosos em Portugal. Depois de fornecer dados sobre os níveis de exposição ocupacional, M. Figueira apresentou várias soluções. A título de exemplo, o investimento em áreas de reestruturação destinadas à produção de medicamentos citotóxicos; maior nível de formação básica de profissionais e maior consciencialização dos profissionais sobre o risco associado ao manuseio desses produtos.

 


 

A conclusão da Cimeira e as considerações finais foram feitas pelos seguintes oradores:

  • José Couto, Secretário de Estado da Administração Pública
  • Moisés Ferreira, Deputado, Bloco de Esquerda
  • José Carlos Martins, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP)
  • José Rocha Nogueira, Coordenador do Programa Nacional de Saúde Ocupacional, Direção Geral de Saúde

José Couto, Secretário de Estado da Administração Pública, abriu a sessão agradecendo a todos os presentes por comparecerem na Cimeira e enfatizou a importância do evento, na medida em que reuniu as vozes mais importantes e influentes sobre o assunto alvo de análise. A importância de apoiar o setor público e dar aos órgãos públicos a força para implementar mudanças também foi enfatizada, pois tais factos originariam melhorias importantes para a força de trabalho na área da saúde.

Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda, falou sobre a necessidade de consciencializar todos os grupos parlamentares sobre as ameaças colocadas aos trabalhadores, incluindo aquelas causadas pela exposição a medicamentos perigosos. Foi referido que a segurança dos trabalhadores no ambiente de trabalho deve ser uma prioridade para o empregador – “o trabalho não deve ser perigoso”, observou Moisés. A última mensagem prendeu-se com a necessidade de um maior papel do governo na pesquisa, desenvolvimento e criação de novas tecnologias para proteger os profissionais de saúde.

José Carlos Martins foi um orador seguinte, agradecendo a presença dos presentes, principalmente os da esfera política. O dirigente do SEP salientou que as conversas do dia-a-dia são cruciais, mas necessitam de ser concretizadas com a ação política. Adicionalmente, J.C. Martins procurou incitar os legisladores a aceitarem as recomendações partilhadas durante a cimeira e, por fim, constatou como “lamentável” o facto de não estarem presentes representantes de todos os partidos políticos. Algo, que na sua opinião, é essencial para avançar com mudanças em prol da proteção dos profissionais de saúde.

José Rocha Nogueira foi o orador final do dia. O seu discurso incidiu sobre os principais objetivos a alcançar no futuro relativamente a esta matéria. Assim, foi destacada a necessidade de vigilância da saúde do trabalhador de modo a rastrear os níveis de exposição ocupacional, sem esquecer a aplicação de melhores avaliações de risco e medidas preventivas mais rigorosas. José foi o responsável por concluir e encerrar a sessão.