16 Dezembro, 2019
Algumas notas jurídicas sobre as Entidades Públicas Empresariais do sector da saúde: gestão privada?

 

 

1 – De um modo geral, constitui tarefa fundamental do Estado promover o bem estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais … [artº 9º. d), da Constituição da República Portuguesa].

 

2 – De um modo particular, para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação [artº 64º, nº 3, a), da Constituição da República Portuguesa].

 

3 – O direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito [artº 64º, nº 2, a), da Constituição da República Portuguesa].

3.1 – Ou seja: o Serviço Nacional de Saúde é garantia institucional da realização do direito à protecção da saúde (acórdão nº 39/84 do Tribunal Constitucional).

 

4 – O Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro, tem como destinatárias as entidades integrantes do Serviço Nacional de Saúde afectas à rede de prestação de cuidados de saúde (artº 1º, nº 3) para cujos efeitos se considera que a rede de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde constituídos como hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde (artº 1º, nº 4).

 

5 – O artº 2º do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro, fixa as figuras jurídicas que podem assumir as entidades integrantes do Serviço Nacional de Saúde afectas à rede de prestação de cuidados de saúde, entre as quais insere as entidades públicas, dotadas de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial [artº 2º, b)].

 

6 – Os estabelecimentos do Serviço Nacional constituídos como hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde, na figura jurídica de entidades públicas dotadas de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial [artº 2º, b) e artº 15º do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro] têm por objecto principal a prestação de cuidados de saúde, a todos os cidadãos em geral, designadamente aos utentes do Serviço Nacional de Saúde [artº 2º, nº 1, a), dos “Estatutos dos Hospitais, Centros Hospitalares e Institutos Portugueses de Oncologia, E.P.E.” e artº 2º, nº 1, dos “Estatutos das Unidades Locais de Saúde, E.P.E.”, anexos ao Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro].

7 – O financiamento do Serviço Nacional de Saúde é assegurado por verbas do Orçamento do Estado [Base 23, nº 1, da actual Lei de Bases da Saúde (Lei nº 95/2019, de 4 de Setembro) e antes Base XXXIII, nº 1, da (então) Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto) conjugadamente com o artº 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro].

8 – O capital estatutário das Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde integradas no Serviço Nacional de Saúde é detido pelo Estado (artº 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro).

9 – O Conselho de Administração é órgão colegial das Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde e os seus membros são designados de entre individualidades que reúnam os requisitos previstos no Estatuto do Gestor Público e possuam preferencialmente evidência curricular de formação específica em gestão de saúde e experiência profissional adequada – e a designação dos membros do conselho de administração observa o disposto nos artigos 12º e 13º do Estatuto do Gestor Público [artº 6º, nºs 2 e 3, dos “Estatutos dos Hospitais, Centros Hospitalares e Institutos Portugueses de Oncologia, E.P.E.” e artº 6º, nºs
2 e 3, dos Estatutos das Unidades Locais de Saúde, E.P.E.”, anexos ao Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro].

10 – Os poderes do Estado, conferidos ao membro do Governo responsável pela área da saúde, sobre os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde nas figuras jurídicas indicadas no artº 2º, a) e b), do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro, estão inscritos no artº 6º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro: a) definição das normas e critérios de actuação hospitalar; b) definição das directrizes a que devem
obedecer os planos e programas de acção; c) acesso a todas as informações julgadas necessárias no acompanhamento da actividade; d) determinação da restrição da autonomia gestionária na situação de desequilíbrio económico-financeiro; e) determinação de auditorias e inspecções ao seu funcionamento, nos termos da legislação aplicável.

11 – As Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde estão submetidas a superintendência do membro do Governo responsável pela área da saúde (artº 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro) e a tutela: a) do membro do Governo responsável pela área da saúde (artº 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro); b) do membro do Governo responsável pela área das finanças (artº 20º, nº 2, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro); c) dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde (artº 20º, nº 3, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro).

11.1 – O que está em sintonia com o artº 199º, nº 1, d), da Constituição: compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, superintender e exercer a tutela sobre a administração indirecta do Estado.

12 – E as Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde também estão submetidas a controlo financeiro, porquanto devem submeter aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde: a) Os planos de actividades e orçamento, em conformidade com o contrato programa celebrado; b) Os documentos anuais de prestação de contas, até ao final de Março de cada ano; c) Os relatórios trimestrais de execução orçamental, onde constem os planos de actividade, económico-financeiros, de recursos humanos e outros definidos pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde (artº 24º do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro).

Em suma: gestão privada nas Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde só pode ser … delírio jurídico!